quarta-feira, 7 de abril de 2010

SOS Mata da Pirelli

O Rei Vesgo e o Desmatamento da Mata da Pirelli

André Costa Nunes – escritor e morador do Uriboca

Marituba, 7 de abril de 2010



Não consegui dormir. São duas horas da madrugada. Nesta segunda feira depois da Semana Santa, logo cedo, o deputado Parcifal Pontes telefonou-me:


- Hoje saiu publicado no Diário Oficial do Estado o Decreto da Ana Júlia mordendo um naco da Mata da Pirelli. Essa tua floresta já era. Não se faz mais comunista como antigamente. A esquerda ficou velha.


Parodiando meu irmãozinho Ruy Barata, Setenta anos, setenta… pela primeira vez a idade pesou-me aos ombros. Cansaço da vida, cansaço de mim. Lupiscínio jogou meu astral no fundo do poço.


O telefone bate outra vez. Era o deputado Jordy:


- André saiu o Decreto da Governadora autorizando desmatar um pedação da Mata da Pirelli. Isso não pode ficar assim. Disse até que tem o apoio da comunidade em audiência pública. Manda pra mim o que tiveres, artigos que escreveste nos jornais, comentários dos blogs, enfim, o que puderes. Traz abaixo-assinado da comunidade, principalmente esse pessoal do Quilombo do Abacatal que serão os primeiros a ser afetados. Nem bem conseguiram a titulação das terras quilombolas e já vão se ver às voltas com invasões e, não sei se pior, o rio Uriboca, que é a vida deles, vai virar esgoto a céu aberto.


Acho que o Jordy ainda ficou falando por um bom tempo, não sei, não mais ouvi, ou não me lembro.


Aproveitando um breve sopro de ânimo resolvi lutar. Sábado, depois da feira, irei ao Abacatal falar com o pessoal. Talvez devamos ir em comitiva à Assembléia Legislativa argumentar com os deputados que nos queiram receber. Lembrei-me que o Martinho Carmona é meu vizinho, daqui, da Estrada do Uriboca e, de mais a mais, já temos a posição anti-devastação, clara e inequívoca dos Deputados Jordy e Parcifal. Pensei que não seria tão difícil permear corações e mentes para uma causa simples, limpa, tão cristalina quanto as águas do Uriboca, que nos orgulhamos de ser o único rio ainda não poluído de todas as áreas metropolitanas do Brasil.

É, vai ser fácil, pensei. Principalmente quanto aos partidos ditos ideológicos. Os deputados do Partido dos Trabalhadores são favas contadas, por todos os motivos do mundo. Afinal de contas eles são do partido que está no Poder, apenas, acreditamos, pelo simples benefício da dúvida que tenham sido induzidos ao erro, assim como a governadora, por pressupostos falsos, como a informação de que o povo afetado haja se manifestado a favor.

Houve uma Audiência Pública. O povo manifestou-se contrário à proposta do Governo. Manifestou-se, repito, com veemência, isto é, repudiou. Ninguém me contou. Eu estava lá.


Quando esses pontos, preliminares, fossem esclarecidos, que o governo do povo soubesse que o povo é contra, que um crime ambiental está a se perpetrar, que o argumento de que parte daquela área foi “antropizada” seja que significado se queira dar ao neologismo, tal ação só interessa mesmo às empreiteiras de plantão.



Ah! Ia me esquecendo da História do Rei Vesgo que Monteiro Lobato contou em um comício no Anhagabau já em 1.947 quando da campanha para cassar os congressistas comunistas:


“Na frente do palácio de um certo rei do Oriente havia um morro que lhe estragava todo o prazer. Este rei, apesar de vesgo, tinha uma vontade enorme de dominar a paisagem. Sua vontade era tão grande que ele não suportava mais. Lá um dia, resolveu secretamente, arrasar o morro. Tratava-se de um morro sagrado. Nem as leis, nem o povo, ninguém consentiria em sua demolição. Era este morro que limitava o poder do rei. Sem ele, este dominaria ditatorialmente toda a paisagem – o que seria um grande mal. Mas aquele rei além de vesgo era malandro. Tanto espremeu os miolos que teve uma idéia. Piscou e chamou os cavouqueiros. Disse-lhes: “Tirem-me alguma terra deste morro, ali, onde há uma touceira de cragoatá espinhento. Se o povo protestar contra minha mexida no morro, direi que foi só para destruir o cragoatá espinhento e que, se tirei um pouco de terra foi para que não ficasse nem um pouco de raiz ou semente”.


Os cavouqueiros arrancaram os pés de cragoatá e removeram várias carroças de terra. O povo não protestou – era tão pouco… Só alguns ranzinzas resmungaram, ao que os apaziguadores responderam: “Foi muito pequena a quantidade de terra retirada. Não fará falta alguma…”


Vendo que não houve protesto, o rei, logo depois, deu nova ordem aos cavouqueiros para que arrancassem outros pés de qualquer coisa, sempre com terra.


Continuando o povo a não protestar, o rei prosseguiu por muito tempo aquela política de extirpação das plantas daninhas, e as ia arrancando sempre com terra, até que um dia…


- Que é do morro?


Já não havia morro nenhum no reino. Desaparecera o Morro da Democracia e o rei pode afinal, estender o seu olho vesgo por todo o país e governá-lo despoticamente quanto pretendia, já enquanto o povo não fazia causa das terrinhas que ele ia tirando”.


Quarta-feira, de novo de madrugada. Leio no blog da Franssinete Florenzano, Proteção ambiental, que hoje vai ser votado um empréstimo para que o Governo comece a desmatar, deflorar a Mata da Pirelli. O relator já se posicionou a favor do empréstimo desde que não seja para agredir o meio ambiente. O povo penhorado agradece, mas deputado, o jurista Zeno Velozo, nosso amigo comum diz que no Brasil, qualquer governador (ou governadora) é um monarca absolutista. Pode o que quiser. Para o bem ou para o mal.


Cada deputado que for a favor do famigerado projeto, se de boa índole, poderia, pelo menos pedir um tempo para que se o debatesse, em Audiência Pública que fosse, não à socapa, mas com ampla divulgação, no âmbito democrático da Assembléia Legislativa e, nunca aprovar no sufoco, no grito, uma ação de tal magnitude e irreversível. As gentes, daqui e de todo mundo, de hoje e das próximas gerações haveriam de agradecer.

Mais, não deu tempo. Não me deram tempo. São oito e meia da manhã. Tenho que sair para trabalhar. Passar no banco e sacar, pela primeira vez, nem sei como se faz isso, minha aposentadoria. Quinhentos e quarenta reais. Não me queixo.


O André é um grande amigo, defensor da natureza. Com tantas áreas a beira da BR para se construir moradias, porque logo a mata da Pirelli. Parece obsessão.

Um comentário:

André Costa Nunes disse...

Caro Jader,

Obrigado pela força. Era a atitude que esperavamos de ti. Eu, o povo de Marituba e o mundo consciente, não comprometido com interesses rasteiros.

andre costa nunes